O Caminho de Santiago é muito mais do que uma rota de peregrinação; é um caldeirão de culturas, um caminho milenar que tem sido testemunha de inúmeras histórias e um legado de incalculável valor histórico e artístico. Reconhecido pela UNESCO como Património da Humanidade, oferece uma experiência única, onde a espiritualidade se entrelaça com a riqueza monumental e paisagística. 

Neste artigo, exploraremos os principais Patrimónios da UNESCO das várias rotas jacobeias, prestando especial atenção àqueles pontos que o peregrino pode admirar sem se desviar do seu caminho.

 

O Caminho de Santiago: Um Património Vivo

A declaração do Caminho de Santiago como Património da Humanidade pela UNESCO não é por acaso. 

Em 1993, o Caminho Francês foi o primeiro a receber este prestigiado reconhecimento, ao qual se somaram em 2015 os Caminhos do Norte de Espanha. Esta distinção sublinha a importância universal excecional destas rotas pelo seu valor histórico e arquitetónico, bem como pelo seu papel como motor de intercâmbio cultural e espiritual ao longo dos séculos. 

A UNESCO valoriza-o como um itinerário cultural que moldou a história e a arte da Europa, um “caminho do espírito” que continua vivo e transformando aqueles que o percorrem.

 

Caminho Francês: A Rota por Excelência e os Seus Tesouros UNESCO

Sem dúvida, a rota jacobeia por excelência. Além disso, é um verdadeiro museu a céu aberto, repleto de monumentos e locais de interesse que têm sido testemunhas de séculos de peregrinação. Cada passo por esta rota é uma viagem através da história, da arte e da espiritualidade. 

A seguir, destacamos alguns dos Patrimónios da UNESCO mais relevantes que o peregrino encontrará no seu percurso pelo Caminho Francês.

 

Real Colegiada de Santa María (Roncesvalles – Navarra)

Na aldeia de Roncesvalles, ponto de partida para muitos peregrinos, ergue-se a Real Colegiada de Santa María, construída entre os séc. XII e XIII. Este conjunto histórico-artístico é um exemplo magnífico do gótico inicial. O seu claustro alberga a capela de São Agostinho, onde repousam os restos do rei Sancho VII o Forte de Navarra. 

A colegiata não é apenas um marco arquitetónico. É também um local de acolhimento e espiritualidade que tem servido os peregrinos desde a sua origem, oferecendo refúgio e consolo após a travessia dos Pirenéus.

 

Igreja de Santa María de Eunate (Muruzábal – Navarra)

Embora não esteja diretamente sobre o traçado principal do Caminho Francês, a Igreja de Santa María de Eunate é uma joia românica que merece um pequeno desvio. Na realidade, encontra-se numa variante que liga o Caminho Aragonês ao Francês.

A sua singular planta octogonal e a bela galeria porticada de 33 arcos que a rodeiam fazem dela um edifício enigmático e fascinante. Acredita-se que tenha sido construída pelos templários ou pela Ordem de São João, servindo como igreja funerária e hospital de peregrinos. 

 

Catedral de Santa María (Pamplona – Navarra)

Em Pamplona, a Catedral de Santa María, com a sua imponente fachada neoclássica, esconde um interior gótico de grande beleza. Aqui encontra-se o mausoléu dos reis Carlos III e Leonor de Trastâmara. No entanto, a verdadeira joia é o seu claustro, considerado um dos mais belos da Europa, com as suas duas impressionantes portas e a capela Barbazana. 

O local tem sido um ponto de referência para os peregrinos desde a Idade Média, oferecendo um espaço de recolhimento e admiração artística antes de continuar a sua viagem. 

 

A ponte sobre o rio Arga (Puente la Reina – Navarra)

Esta imponente ponte românica, construída no séc. XI, é o símbolo de Puente la Reina e uma das construções mais icónicas desta rota. Com seis dos seus sete arcos visíveis (um está enterrado), tem sido vital para os peregrinos e para a economia local desde a Idade Média. 

 

Igreja de São Pedro de la Rúa (Estella – Navarra)

Em Estella destaca-se a Igreja de São Pedro de la Rúa. Levantada a partir do séc. XII, é considerada um dos conjuntos de maior riqueza escultórica do românico navarro. Apesar das reformas que sofreu, ainda conserva elementos originais como as galerias norte e oeste e o seu impressionante pórtico. 

 

Mosteiro de Iratxe / Irache (Ayegui – Navarra)

O Mosteiro de Iratxe, em Ayegui, é outro dos grandes marcos do Caminho Francês. Fundado no séc. X, foi um dos hospitais de peregrinos mais importantes da Idade Média, tornando-se uma das abadias mais influentes da Península Ibérica. O seu conjunto arquitetónico é uma mistura de estilos, desde o românico até o barroco. 

Destaca-se a sua igreja românica, o seu claustro plateresco e a sua famosa fonte de vinho, que oferecia vinho aos peregrinos. 

 

Aprofundando o Património do Caminho Francês

O Caminho Francês, com a sua rica história e o constante fluxo de peregrinos ao longo dos séculos, guarda um sem fim de bens culturais que foram reconhecidos pela UNESCO. Para além dos já mencionados, outros pontos de interesse salpicam a rota, oferecendo ao peregrino a oportunidade de conectar com o passado e admirar a maestria dos construtores de outrora.

  • A Catedral de Burgos é uma paragem obrigatória. Embora a cidade em si não esteja integralmente na lista de Património da Humanidade do Caminho, a sua catedral está desde 1984. Esta obra-prima do gótico, com as suas impressionantes agulhas e decoração escultórica, é um testemunho da importância de Burgos na rota jacobeia. 

 

  • A Igreja de São Martinho de Frómista, em Palência. Este templo românico do séc. XI é um dos exemplos mais puros e harmoniosos deste estilo. As suas quatro torres cilíndricas, o seu ábside semicircular e a rica iconografia dos seus canecillos e capitéis tornam-na uma joia arquitetónica.

 

  • A Catedral de Leão é outro dos grandes marcos do Caminho Francês. Conhecida como a “Pulchra Leonina“, esta catedral gótica destaca-se pelas suas impressionantes vitrais, que inundam o interior de luz e cor. Construída a partir do séc. XIII, é um exemplo sublime do gótico clássico francês e um símbolo da importância de Leão na rota jacobeia. 

 

  • Muito perto encontra-se o Mosteiro de São Miguel de Escalada. Este mosteiro mozárabe do séc. X é uma joia arquitetónica única no Caminho Francês. Os seus arcos de ferradura, os seus capitéis e a sua decoração de influência islâmica são um testemunho da convivência de culturas na Península Ibérica durante a Idade Média. 

 

Embora exija um pequeno desvio, a visita recompensa o peregrino com a contemplação de um património excecional e pouco comum na rota jacobeia.

  • A Muralla Romana de Lugo é um bem Património da Humanidade desde o ano 2000 e faz parte dos bens associados aos Caminhos do Norte, embora o Francês também passe pela cidade. Esta imponente fortificação, construída no séc. III, rodeia o centro histórico de Lugo e é a única muralha romana do mundo que conserva todo o seu perímetro. 

 

Caminhos do Norte de Espanha: Um Património Diversificado

Em 2015, a UNESCO ampliou o reconhecimento para incluir os Caminhos do Norte de Espanha, um conjunto de rotas que refletem a riqueza histórica e cultural da peregrinação jacobeia na costa cantábrica. 

Estes percursos, que somam quase 1.500 quilómetros, são o Caminho Primitivo, o da Costa, o Interior do País Basco e La Rioja, e o Lebaniego. Para além dos próprios traçados, foram incluídos 16 bens culturais diretamente ligados a estas rotas, que gozam da máxima proteção patrimonial.

 

Caminho da Costa (ou do Norte)

Percorre todo o litoral cantábrico, oferecendo paisagens espetaculares e um rico património cultural. Esta opção é ideal para quem procura uma combinação entre natureza e história. Alguns dos seus pontos de interesse mais relevantes são:

  • Igreja de Santa María de la Asunción de Castro Urdiales (Cantábria): esta impressionante igreja gótica, construída entre os séculos XIII e XV, ergue-se majestosamente sobre o porto. A sua localização e arquitetura tornam-na um farol para os peregrinos que percorrem a costa. É um exemplo notável do gótico cantábrico.

 

  • Colegiada de Santa Juliana, em Santillana del Mar (Cantábria): considerada um dos melhores exemplos do românico na Cantábria, esta construção do século XII é o coração da localidade. O seu claustro é uma obra-prima do românico e um local de paz e contemplação para os peregrinos. Foi um importante centro monástico e de acolhimento.

 

  • Catedral de Santiago Apóstol de Bilbao (País Basco): embora Bilbao seja uma cidade moderna, o seu centro histórico abriga esta catedral gótica, construída entre os séculos XIV e XVI. É um ponto de referência para os peregrinos.

 

Caminho Primitivo

Considerado o primeiro percurso jacobeu, parte de Oviedo e atravessa o interior das Astúrias e da Galiza. É um caminho exigente, mas de grande beleza paisagística e riqueza histórica. É o trajeto que, segundo a tradição, seguiu o rei Afonso II para visitar o túmulo do Apóstolo Santiago. Alguns dos bens culturais em destaque neste percurso são:

  • Catedral de San Salvador e Câmara Santa de Oviedo: é um conjunto que alberga a Câmara Santa, declarada Património da Humanidade pela UNESCO de forma independente. A Câmara Santa guarda importantes relíquias, como o Santo Sudário. A catedral é o ponto de partida do Caminho Primitivo e um local de grande significado espiritual para os peregrinos.

 

  • Igreja e mosteiro de San Salvador de Cornellana (Astúrias): este conjunto monástico, fundado no século XI, foi um importante centro de acolhimento de peregrinos. A sua igreja românica e o seu claustro são exemplos da arquitetura medieval asturiana. 

 

  • Igreja de San Salvador de Priesca, em Villaviciosa (Astúrias): esta pequena igreja pré-românica, do século IX, é uma joia da arte asturiana. A sua simplicidade e antiguidade tornam-na um testemunho único das origens do Caminho de Santiago. Situa-se numa variante do Caminho da Costa que liga ao Primitivo.

 

Caminho Interior do País Basco e La Rioja

Este caminho oferece uma experiência mais íntima e rural, atravessando paisagens de vinhas e aldeias encantadoras. Embora não sejam mencionados bens culturais específicos na lista da UNESCO para este troço, o próprio traçado e os elementos arquitetónicos que se encontram fazem parte do valor universal excecional do Caminho de Santiago.

 

Caminho Lebaniego

Parte de San Vicente de la Barquera e dirige-se ao Mosteiro de Santo Toribio de Liébana, sendo uma rota de peregrinação que se liga ao Caminho do Norte. O mosteiro, que guarda o Lignum Crucis (o maior fragmento conhecido da cruz de Cristo), é um importante centro de peregrinação. Este caminho, embora mais curto, tem grande significado religioso e cultural.

  • Mosteiro de Santo Toribio de Liébana (Cantábria): este mosteiro franciscano, fundado no século VI, é um dos cinco locais santos do cristianismo, a par de Jerusalém, Roma, Santiago de Compostela e Caravaca de la Cruz. A sua igreja gótica e o seu claustro são de grande interesse artístico. 

 

Outros Caminhos e a sua Ligação ao Património da UNESCO

Embora os caminhos referidos sejam os que possuem a declaração explícita da UNESCO como Património Mundial em Espanha, o fenómeno jacobeu transcende estas rotas. 

Outras opções, como o Caminho Português ou o Caminho Inglês, mesmo não estando totalmente incluídas na lista, atravessam ou terminam em Santiago de Compostela, cuja Cidade Antiga é Património Mundial desde 1985. Isto significa que, independentemente do caminho escolhido, o peregrino chegará a um destino reconhecido pelo seu valor universal excecional.

 

O Caminho Português: história e chegada a Santiago

Embora o seu traçado em Portugal não esteja incluído na lista da UNESCO, ao cruzar a fronteira e entrar na Galiza, liga-se à história e ao património associados a Santiago de Compostela

Localidades como Tui, com a sua impressionante catedral fortificada, marcam a entrada em território galego e na influência do património jacobeu. O Caminho Português desde Tui oferece uma experiência rica em cultura e paisagens, culminando na majestosa Santiago de Compostela.

 

Santiago de Compostela: A Cidade Património da Humanidade

A Cidade Antiga de Santiago de Compostela foi declarada Património Mundial em 1985, muito antes dos percursos aqui descritos. Esta distinção reconhece a beleza urbana da cidade, a sua integridade histórica e o seu significado como centro de peregrinação.

A Catedral de Santiago é o epicentro deste património, mas a cidade como um todo é um tesouro arquitetónico e cultural. As suas praças, ruas, igrejas, conventos e palácios são testemunhos de séculos de história e devoção. 

 

A Importância do Património da UNESCO para o Peregrino

Para o peregrino, a declaração de Património Mundial pela UNESCO não é apenas um selo de qualidade ou um reconhecimento turístico. Significa que os locais por onde passa têm um valor excecional para toda a humanidade, um legado que deve ser preservado e respeitado. 

O património UNESCO não são apenas edifícios ou paisagens; são os vestígios de uma tradição viva, a materialização da fé e da cultura que moldaram a identidade europeia. Ao percorrer o Caminho, o peregrino torna-se parte dessa história. Cada igreja românica, cada ponte medieval, cada albergue centenário conta uma história de esforço, fé e comunidade. 

A UNESCO, ao reconhecer estes bens, recorda-nos da importância de proteger este legado para as futuras gerações de peregrinos e para o mundo inteiro. É um convite a caminhar com consciência, a observar com respeito e a valorizar a riqueza que nos rodeia em cada etapa.

Uma agência do Caminho de Santiago pode facilitar a organização da tua peregrinação, permitindo-te focar na experiência de caminhar e descobrir estes tesouros. Quer escolhas o Caminho do Norte desde Ribadeo ou o Caminho de Santiago desde Bilbao, encontrarás um património que te enriquece a alma e te liga a séculos de história e espiritualidade. 

 

O Caminho como Itinerário Cultural Europeu: Um Cadinho de Trocas

A declaração do Caminho de Santiago como Património Mundial pela UNESCO segundo os critérios (II), (IV) e (VI) destaca o seu papel fundamental como itinerário cultural de importância universal. 

  • O critério (II) reconhece que testemunha uma troca considerável de valores humanos ao longo de um período determinado ou numa área cultural concreta, nos domínios da arquitetura, da tecnologia, das artes monumentais, do planeamento urbano ou da criação de paisagens. 

Desde a Idade Média, tem sido uma via de duplo sentido por onde circulam não só peregrinos, mas também ideias, estilos artísticos, conhecimentos técnicos e tradições. Esta constante interação entre pessoas de diferentes origens geográficas e culturais deixou uma marca profunda no património material e imaterial das regiões jacobeias.

A arte românica, por exemplo, difundiu-se pela Península Ibérica em grande parte graças ao Caminho de Santiago. As igrejas, mosteiros e catedrais construídos para acolher os peregrinos ao longo da rota incorporaram elementos arquitetónicos e escultóricos oriundos de outras partes da Europa, criando um estilo próprio e distintivo. 

  • O critério (IV) destaca que o Caminho é um exemplo eminentemente representativo de um tipo de construção ou conjunto arquitetónico ou tecnológico, ou de paisagem que ilustra um ou vários períodos significativos da história da humanidade. 

As pontes medievais, os hospitais de peregrinos, os albergues, as igrejas e catedrais são testemunhos tangíveis da infraestrutura criada para apoiar a peregrinação. Estas construções, muitas ainda conservadas e em uso, refletem a engenharia, a arquitetura e a organização social da época em que foram erguidas. 

A paisagem cultural também é um elemento chave do seu valor universal excecional. Os trilhos, as florestas, os rios e as montanhas formam um conjunto harmonioso moldado por séculos de interação entre o ser humano e a natureza. 

  • Finalmente, o critério (VI) sublinha que o Caminho está direta ou materialmente associado a acontecimentos ou tradições vivas, ideias, crenças ou obras artísticas e literárias com importância universal excecional. 

A peregrinação é uma das tradições vivas mais antigas e relevantes da Europa. Inspirou inúmeras obras de arte, literatura e música, e foi motor de ideias e crenças que transcenderam fronteiras geográficas e culturais.