Entre montanhas verdes e trilhos ancestrais, surgem silenciosos os espigueiros, enigmáticas construções de madeira e pedra que guardam segredos do passado e aromas do presente. Para muitos peregrinos do Caminho de Santiago, a sua imagem é tão icónica como as vieiras jacobinas ou os marcos amarelos.
Mas, o que são realmente? Porque aparecem em tantas aldeias do norte de Espanha? Este artigo convida-te a descobrir a sua história, a sua relação com o Caminho de Santiago e porque deverias incluí-los no teu próximo itinerário.
Se amas a tradição, a arquitetura rural e os destinos autênticos, os espigueiros têm muito para contar.
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História dos espigueiros: guardiões do grão e do tempo
A origem dos espigueiros remonta a épocas pré-romanas, embora o seu desenvolvimento mais conhecido situe-se na Idade Média. Tratam-se de construções tradicionais destinadas a armazenar o grão e outros produtos agrícolas, mantendo-os secos e protegidos contra roedores e intempéries.
A sua estrutura elevada, assente em pilares (pegollos), com lajes horizontais que evitam a passagem de animais, reflete uma solução prática que perdurou séculos.
Os vestígios escritos mais antigos aparecem em documentos medievais da Galiza e Astúrias. No entanto, estudos arqueológicos sugerem que os seus predecessores poderiam existir desde a cultura castreja.
Com o tempo, a tipologia adaptou-se a cada região: na Galiza predominam os espigueiros de pedra e madeira, com telhados a duas águas, enquanto nas Astúrias desenvolveram-se também as paneras (maiores e com telhado a quatro águas).
Para além da sua função económica, adquiriram uma dimensão simbólica: eram sinal de prosperidade familiar, herança, identidade cultural e, em muitos casos, até elementos de prestígio.
Espigueiros nas diferentes rotas do Caminho de Santiago
Os espigueiros são um elemento icónico da paisagem rural galega, mas nem todas as rotas do Caminho de Santiago os atravessam da mesma forma. A sua presença depende de fatores geográficos, culturais e arquitetónicos que variam conforme o itinerário escolhido.
Por exemplo, no Caminho Ribadeo Santiago, que percorre o norte de Lugo, são frequentes desde os primeiros dias, especialmente em aldeias como Vilela, Gondán ou San Xusto. Aparecem junto a casas de pedra, entre pastagens e florestas, fazendo parte do quotidiano do peregrino.
Por outro lado, no mesmo Caminho do Norte, concretamente no Caminho de Santiago Bilbao até Santander, o percurso caracteriza-se mais pela arquitetura basca, caserios e estruturas pecuárias. Só ao entrar em Cantábria e, depois, na Galiza, é que começam a aparecer alguns.
No Caminho Francês e no Caminho Primitivo, já em terras galegas, os espigueiros fazem parte da paisagem rural há séculos. Surgem junto a caminhos empedrados, em pequenas aldeias. Em locais como Palas de Rei, Triacastela ou A Fonsagrada, estes elementos não só sobrevivem: ainda são usados ou preservados como símbolo de identidade local.
No Caminho Inglês, também estão presentes, especialmente na segunda metade do percurso. A proximidade do mar, os vales verdes e as pequenas aldeias galegas criam o cenário perfeito para os encontrar ao longo da trilha.
Espigueiros de interesse no Caminho de Santiago
Alguns espigueiros alcançaram fama própria pela sua beleza, tamanho ou localização singular. Se vais fazer a viagem pelo Caminho de Santiago, apresentamos alguns dos mais interessantes que podes visitar durante a tua peregrinação:
Espigueiros de Combarro (Pontevedra)
Situados literalmente à beira-mar, são dos mais fotografados da Galiza. Embora não façam parte direta das rotas tradicionais do Caminho, a sua proximidade ao Caminho de Tui a Santiago torna-os uma paragem opcional imprescindível.
Hórreo de Carnota (A Coruña)
Com mais de 34 metros de comprimento, este é um dos mais longos da Galiza e de toda a Espanha. Situado no Caminho de Fisterra, representa um autêntico monumento etnográfico. Junto a ele encontra-se outro de menor tamanho, formando um conjunto único.
Hórreos de Piornedo (Lugo)
No coração dos Ancares, Piornedo é uma aldeia-museu onde as pallozas e os hórreos convivem como nos tempos antigos. Embora esteja afastada do traçado principal do Caminho, é um desvio muito recomendado para os amantes da arquitectura tradicional.
Hórreo de Lira (Carnota)
De estrutura semelhante à de Carnota, mas com uma localização mais tranquila, também impressiona pelo seu comprimento e conservação. O seu entorno é perfeito para o descanso e a contemplação após alguns dias de caminhada.
Hórreo de Araño (Rianxo, A Coruña)
Considerado o mais longo da Galiza, com 37,05 metros de comprimento, destaca-se pelo seu tamanho impressionante e pelo excelente estado de conservação. Encontra-se perto do Caminho Português.
Conjunto de hórreos de A Merca (Ourense)
Este conjunto, muito perto do Caminho Sanabrés, é formado por 33 unidades de madeira e duas mistas. É um dos maiores da Galiza e oferece uma visão única da arquitectura tradicional galega.
Hórreos de Santiago de Olveiroa (Dumbría, A Coruña)
Situados no Caminho de Fisterra, fazem parte de um conjunto etnográfico que inclui um cruceiro e várias construções tradicionais.
Alojamentos com hórreos: dormir junto à história
Dormir perto de um hórreo ou mesmo numa antiga construção recuperada pode ser uma experiência inesquecível para o peregrino. Muitos alojamentos rurais apostaram na recuperação destes como elemento decorativo ou funcional, integrando-os em jardins, pátios e espaços comuns.
Em zonas como O Cebreiro, Sarria, Arzúa ou Palas de Rei (todas no Caminho Francês), é possível encontrar casas rurais que os conservam no estado original. No entanto, na maioria dos casos, são usados como armazéns, pequenos museus ou miradouros.
Outros alojamentos foram mais além e transformaram-nos em quartos independentes, equipados com todas as comodidades, mas respeitando a sua estrutura original. Esta tendência, muito presente nas Rías Baixas e na Mariña lucense, combina sustentabilidade, turismo slow e autenticidade.
Recomendações para visitar os hórreos na tua viagem
Se estás a planear percorrer o norte de Espanha ou fazer alguma das rotas do Caminho de Santiago, aqui vão algumas recomendações para desfrutar ao máximo dos hórreos:
- Informar-te sobre as rotas rurais: embora muitos estejam à beira do Caminho, outros exigem pequenos desvios. Consulta mapas locais ou pergunta aos habitantes.
- Respeitar o seu entorno: são bens culturais protegidos. Não subas a eles, não os toques sem permissão e evita manipular as suas estruturas.
- Fazer paragens conscientes: dedica alguns minutos a observar a sua arquitectura, os materiais, os símbolos gravados nas pedras ou madeiras. Cada um tem uma história para contar.
- Escolher alojamentos com valor patrimonial: dormir numa casa com hórreo ou visitar um museu etnográfico pode enriquecer muito a tua experiência.
- Combinar turismo com gastronomia: aproveita para degustar produtos locais relacionados com a sua história. Muitos pequenos produtores vendem mel, pão, enchidos ou conservas nas aldeias próximas.
Os hórreos não são apenas construções rurais: são fragmentos vivos da história do norte peninsular. Representam a sabedoria popular, a adaptação ao meio e o respeito pelo ciclo agrícola. Visitar um é espreitar outra época, sentir o pulso lento da terra e conectar com uma forma de vida que ainda pulsa nas aldeias e povoações do norte.